quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Dia-noite

À noite esqueço-me. Entro num estado de metaconsciência amnésica. Esqueço os passos e ficam as pegadas. É entre dias que descanso das viagens entre noites. Quanto mais ando, menos descanso.
Não há dia nem noite, apenas estados intermédios que se intercalam e sucedem. A noite é dia para alma e o dia é-se para os quatro elementos. O desafio é que o dia seja noite para os elementos e que a alma esteja sempre em vigília e domínio. O verdadeiro desafio é ser tudo e reconhecer o real líder entre os vários. Um líder compreensivo mas não muito democrático, para bem de todos os envolvidos.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Menina Nambam III/III

Passado um mês, reapareceu a Menina Nambam, agora cerca de cinco anos mais nova que eu. Manteve o contacto visual e nada disse. Desisti. Desisti do nosso amor eterno que parecia nunca mais acabar. Esta tortura de ter e não ter cansou-me e fez.nos desaparecer.
Outro amor procuro agora, menos sumptuoso, menos inconstante e mais real.
Procuro agora o divino em mim e o divino em nós. Agora um nós mais lato, mais simpático e inocente. Quero esquecer a Menina dos olhos ónix que não sei se bem ou mal me quer.
Quero que a vida seja mais que paixão, criação, destruição, confirmação, negação e inconstância. Quero que a vida seja iluminação.
Quero ser Amor. Não quero que o Amor me tome como mais um de seus escravos. Quero eu mesmo arder e dar luz. Quero ser elipse e ordem.
A menina Nambam me servirá um dia nas suas variadas formas.
A menina Nambam não é mais minha Deusa. É agora mais uma pessoa desse Nós mais lato que eu sirvo e canto.
Adeus Menina Nambam.
Olá Aurora.

Tarda

Tarda criança que quero ser.
Tarda a inocência e a sabedoria de nada conhecer e tudo saber.
Tarda a velha criança que ignora o que sabe e sabe o que desconhece.
Tarda a felicidade de ter asas e não precisar de voar.
Tarda a naturalidade de viver sem destino e criá-lo à medida que caminho.
Tarda a conformidade activa do presente e a felicidade de nada ter e ser o mais abastado.
Tarda o nada que é tudo e a planície que é montanha.
Tarda o pequeno baú que é Igreja e a solidão que é reunião.
Tardam o Hipogrifo, os amores impossíveis que se concretizam e o amor unicorniano.
Tardam o Sol, a Lua, Mercúrio, Vénus, Neptuno e Urano no seu melhor.
Tarda a luz invisível que todos faz por iluminar.
Tarda a não-existência que É mais que tudo.
Tarda o Todo.
Tarda o Nada.
Feliz serei, quando nada tardar.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Talvez..

Talvez o poder traga degeneração e talvez necessitemos todos de ser pobres e impotentes para conseguir ter o verdadeiro poder. O Amor. Talvez tenhamos de viver com os animais mas não como animais.
Talvez tenhamos de perceber quão insignificantes e importantes somos para encontrar a verdadeira insignificância da importância. Talvez descubramos a Verdade. Talvez tenhamos o mais puro psíquico animal e a mais nobre mente divina. Talvez o primeiro consiga ser submisso ao segundo.
Talvez o platinal atma consiga se encontrar na mais tosca e radioactiva rocha.
Talvez o sol deixe de ser a nossa fonte de energia e talvez nós próprios sejamos a fonte. Talvez consigamos jorrar e projectar Amor em todas as direcções com o mais belo feitio.
Talvez, quando o Universo for etérico aos nossos olhos e o género desaparecer para tudo ser andrógino, auto-suficiente, mas igualmente solidário.
Ai quando o Universo se é a si mesmo..

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Chama-se Aryesh e nunca fala. Sei que está lá para orientar mas nunca tenho resposta. Apenas me presenteia com a a sua presença profética. Não se despede nem anuncia a sua chegada.
É branco, barbudo e tem um marfim espiralado a projectar-se da sua fronte. Não tem tempo nem espaço. Existe no nada, como nunca pensei ser possível.

O Grifo

Sem forma, a coisa anda por aí.
Não sabe se é leão ou águia, animal ou Deus.
Não pode parar, mas não sabe como continuar.
Deverá voar?
Rastejar?
Correr pela savana ou ser a savana?
Deverá ser o Rei da Mente ou o Rei do Físico?
Deverá ser deveras Um ou deixar-se diluir?
Deverá ser azeite?
Deverá ser Poder?
Deverá ser Amor?
Deverá ser infinito e uno ou um simples algarismo?

Que luta vive o Grifo, sabendo que é leão e águia sem poder escolher!
É rei do Ar e da Terra.
É o herói flamejante e consome-se com a dúvida de ser e não ser.
Ele é a acção.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O Corvo

Um corvo voou sobre a seara de trigo. No seu bater de asas calmo e seco, tudo observou e continuou no seu percurso certeiro e sereno, como um tigre para atacar, mas não havia presa. Curioso quando a presa e o predador são o mesmo e se caçam um ao outro sabendo caçarem-se a si próprios. Curioso quando a caça é lenta e eficaz, mas nenhum vive em vez do outro. Em vez disso, vivem os dois tentando-se matar e esperando que o outro sobreviva, sabendo dependerem um do outro para viver.
O Corvo continua a voar sobre a seara e sabe que não deve descer. O vento faz ondular as pequenas chispas que aparentemente sem vontade se movem. O Corvo sabe para onde vai. O corvo segue para o horizonte, onde acabam as searas e começa o céu.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Sou árvore.

Chove o dia todo e eu me molho. Molho-me porque quero ter raízes, folhas e frutos. Tremo principalmente de frio e deixo-me estar. Nada melhor que um pouco de chuva para fazer crescer os meus braços que se terminam em folhas. O vento sopra para quase me arrancar da encosta onde me instalei. (O mesmo vento que sempre me tentou arrancar do chão, tornou o meu tronco robusto e as minhas raízes profundas!) Mantenho-me firme e vertical, como uma árvore deve ser.
Ai! Todos os dias me ataca este clima que me dá clorofila.
Hoje não sei se cresça mais.. Talvez me deixe envelhecer assim, mais pequena e cómoda. Se continuar, posso ter uma copa maior, talvez mais pássaros façam ninhos pelos meus braços e talvez ouça vozes lindas todos os dias. Talvez até consiga tocar as nuvens! Talvez um dia consiga ver melhor Mercúrio, Vénus ou mesmo Saturno! Talvez as estrelas sorriam mais claramente para mim e talvez consiga encontrar primos distantes em outras galáxias! Quem sabe um dia.. se eu crescer..
Mas.. se crescer.. fico vulnerável a relâmpagos..

Quero.

Quero ser fatal.
Só se isso significar destinado ou destinador.
Aliás.. quero ser mais que fatal!
Quero cumprir o meu destino mais do que posso!
Porque hei-de eu ser fogo se posso só aquecer?
Quero arder, consumir-me e desaparecer.
Quero deixar cinzas e quero reacender.
Quero arder no peito das pessoas.
Quero unir e separar.
Quero ser o destino..
Quero ser determinado por seja o que for e quero cumprir.
Quero narrar e ser narrado.

É esta ânsia nada nervosa, nada passional, mas ardente, que me move. Por isto quero ser fogo que separa, une e mantém. Quero ser a acção e a passividade. Quero ser triplo e dual, mas Uno, mais que tudo.

Quero ser Uno.

Quero ser o destino que se cumpre e quero ser quem o cumpre.
Quero arder sem ser visto e ter a certeza de arder.